Ela tem vontade de saber o que está por trás de um cabelo bem armado
“A mulher do português está à beira da morte e resolve confessar ao marido que o filho deles é de outro. Ele responde: 'Ora, pois, eu sempre soube'. Ela, surpresa, diz: 'Mas como você sabia?'. O marido responde: 'Ué, Maria, quando nós estávamos na maternidade você me disse para ir trocar o menino, que estava todo cagado!'. Ele realmente trocou o bebê. Por outro”.Esta é a piada favorita de Wilma Nogueira Prats, e fica ainda mais engraçada para ela quando é Francisco Prats, seu marido, quem a conta.
Histórias desse tipo podem ser encontradas no livro que conta a vida de Wilma. Mas não adianta procurá-lo em livrarias, sebos e afins. A obra foi produzida por Regina Rapacci Magalhães, dona da Biografias & Profecias, editora que escreve livros sob encomenda, e não está a venda. Somente 2 exemplares foram tirados – um está com Wilma, o outro com Regina.
Com capa lilás, título simples - “Wilma” -, papel chouchè, 111 páginas, cheio de ilustrações e fotos, o livro mostra os melhores momentos da vida da senhora de 69 anos, descendente de dinamarqueses, que certa feita queimou o álbum de figurinhas dos filhos Douglas e Shalimar porque um tinha a figurinha especial e o outro não, fato que gerava uma guerra entre os dois.
“A produção do livro me fez saber histórias de que nunca tive conhecimento”, diz Douglas Prats, consultor de lideranças. De fala mansa e gestos discretos, Douglas conta que gostou da experiência. “Ter ouvido pela primeira vez a minha vó dizer que o nascimento da minha mãe foi o momento mais importante da vida dela foi impagável”. Dado numa reunião de família, com a presença do marido, dos filhos e dos netos, o presente não precisou de data especial para ser entregue. “Ele foi feito em reconhecimento por tudo que minha mãe fez à nossa família”, diz Douglas.
À biografia de Wilma, seguiu-se a de José Antônio Preto, português ex-dono de padaria e ex-dono de posto de gasolina. Com o mesmo estilo do livro anterior, porém de capa preta, foi encomendado por Maurício Preto, filho de José, quando o pai completou 70 anos. “Tinha uma vontade imensa de homenageá-lo em vida, e o livro com a sua biografia foi perfeito”, diz Maurício, diretor de marketing de uma empresa de lubrificação e manutenção industrial.
Depois, vieram os livros sobre Mário César Araújo, ex-presidente de um grande grupo na área de telefonia – este um livro mais robusto, com 313 páginas, encomendado por sua filha Clarisse. “Eu tinha umas reportagens, umas fotos guardadas do meu pai, e queria organizar e fazer uma recordação para ele”, diz Clarisse. Gilberto Garcia, gerente numa distribuidora de produtos para construção, encomendou um livro sobre os pais, Hélio e Mafalda, por ocasião da boda de ouro deles. “Gosto de registrar as coisas da família, achei que seria um presente inovador aos meus pais, e, ao mesmo tempo, estava resgatando a memória deles”. Todos os biografados só souberam da existência do livro no dia da entrega.
O livro de dona Wilma foi o primeiro de Regina. Tudo começou em 2006, depois de uma sequência de acontecimentos ruins. Em julho, a mãe, Maria de Lourdes Puccinelli Rapacci, morreu após sofrer de afecção dermatológica, doença cujo sintoma se dá com o surgimento de bolhas na pele que, quando explodem, deixam o lugar em carne viva. Em setembro, foi despedida do banco onde trabalhava como gestora do setor de televendas. Alegação do superior: era humana demais para trabalhar num banco. “Foi uma porrada atrás da outra. Fiquei com a alma à flor da pele”.
No mês seguinte, Regina iria se casar, mas estava perdida o suficiente para não dar prosseguimento à cerimônia. Foi aí que apareceu uma figura importante: a irmã mais velha, Ana Maria. “Ela acabou sendo minha mãe. Sem ela, o casamento não teria acontecido”, diz Regina. Em homenagem à irmã, ela escreveu um livro, baseado em diários que a mãe deixou sobre as duas.
Regina gostou, e resolveu que faria disso o seu trabalho. Começou o negócio sem nenhum tipo de estudo, ignorando a leitura de biografias e livros-reportagem – recentemente ela concluiu pós-graduação em Jornalismo Literário. “No começo eu não sabia direito que tipo de negócio era aquele, mas tive certeza de que queria fazer isso da vida”. Regina não queria serghost-writer – tinha de ser algo que ela apurasse, sem abrir concessões, mas também evitando polêmicas e pontos desagradaveis. Por conta disso, todos os biografados afirmam que ficaram satisfeitos com o resultado.
Douglas Prats foi o primeiro a receber uma proposta formal. A princípio, recusou. “Achei a proposta barata demais e mandei a Regina refazer”, lembra Douglas. Regina acatou a recomendação, mas o salto não foi tão grande: dos 3 mil reais iniciais, o livro de Wilma foi fechado por 4 mil. (Hoje, um livro custa entre 15 mil e 40 mil reais).
Uma equipe de free-lancers faz o design e a revisão. A concepção, o texto, a parte de pesquisa histórica e a escolha de fotos é de Regina, junto com o cliente. O trabalho não a incomoda. Pelo contrário. Bonita, sempre arrumada e sorridente, ela se empolga ao falar do que faz.
Regina diz que não se trata de terapia biográfica nem de um “tratado de canonização”. Mas as obras da Biografias & Profecias passam longe do rigor de objetividade encontrado em biografias convencionais. “A idéia é que o livro gere movimento”, diz. Por “gerar movimento”, entende-se: quem ler qualquer um dos livros deve tirar uma lição. “E, para mim, o que importa é a riqueza dos encontros que promovo entre as pessoas e as histórias que ouço e registro. O livro é só uma consequência”, diz.
O próprio esquema de entrevistas de Regina é diferenciado. Ao invés do tradicional pergunta-e-resposta, ela usa cartões decorados com desenhos, com os temas que serão abordados. O entrevistado escolhe o assunto de que quer falar naquela hora, e a conversa se desenvolve a partir daí. “Esse é um jeito de me aproximar da pessoa, de quebrar o gelo”. Só não usou esse método no último livro que fez, sobre um figurão do ramo têxtil, o primeiro com participação direta do biografado. “Se eu fosse conversar com ele com cartõezinhos, não ia rolar”.
Até agora, Regina só escreveu sobre anônimos, e apenas por falta de oportunidade. Um famoso em especial lhe desperta curiosidade. “Adoraria saber o que tem por trás do topete do Roberto Justus. Ele é muito certinho...”, diz. Regina escreveria um livro sobre ele, se pudesse colocar tudo que encontrasse. Justus já tem um livro, escrito por um ghost-writer. E, nele, está com o topete mais armado do que nunca.
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